domingo, 24 de fevereiro de 2013

4 - Vitória



  Estou tão rápida quanto nunca achei ser possível e correndo por entre as arvores vou seguindo enfrente. Tenho que chegar à clareira antes dela, esse é o desafio. Depois disso vamos treinar um pouco de tai chi.
   Apesar da viajem não me sinto nem um pouco cansada. Talvez um pouco triste pelas pessoas deixadas para trás... Catarina e Ygor meus melhores amigos e meus pais.
  Mas pensar nisso me deixa pior, por isso continuo correndo na direção que ela me indicou: “sempre em frente e você chegará lá”, ela disse.
  Vejo uma trilha a uns 15 metros do local por onde estou correndo, e acabo de ter a impressão de que tem alguém andando por lá e é olhando para a trilha que eu acabo chegando sem perceber a clareira e ao lago...
  Eu estou afundando rapidamente. Não lembro como fui parar ali. Vejo a terra se aproximando cada vez mais rápido, mais rápido e mais rápido, é como se ela esperasse o momento em que nos encontraríamos. Não consigo respirar e meu corpo começa e engolir água. Sei que estou morrendo, mas não consigo me desesperar, pois o problema nunca é morrer, é como morrer, o que vem depois da morte essas coisas.Nunca vi a morte como um fim, e sim como o começo da aventura mais bela e misteriosa que eu poderia ter. Por que afinal temer a morte?
  Um pouco antes de chegar ao fundo algo me puxa para cima. Olhos azuis, tudo que me lembro de antes de desmaiar.
  Acabo de acordar e estou em um hospital, ainda não abri os olhos, tudo dói, até respirar dói, mas estou escutando as enfermeiras falando.
  – Não é incrível? – ouvi alguém perguntar com tom de descrença. Logo alguém completou:
  – Sim, mas você escutou o que disseram? – Me esforcei para ver quem era. Duas mulheres, deduzi pela voz, mas os rostos estavam distantes.
  - É claro! Ela foi encontrada na floresta ontem no mesmo dia que aquilo aconteceu, – me perguntei sobre o que falavam e voltei a escutar, – ela se ia se afogar no lago e alguém a salvou e depois ligou para cá. A Tia disse que elas estavam fazendo trilha, acabaram se perdendo uma da outra. Já deveria ter acordado. Acho que foi chocante...
  Dormi de novo. Quando acordei novamente notei que era noite e que a dor tinha melhorado bastante, consegui abrir os olhos e olhar ao meu redor. O quarto era pequeno e totalmente branco, tão branco que dava agonia em meus olhos acostumados a ficarem fechados. Tem uma espécie de poltrona e toda aquela parafernália de hospital que eu não sei o nome, mas minha Tia tinha estado ali, era obvio por causa da horrível bolsa laranja que só ela no mundo tinha e que estava na poltrona.
  O sono estava voltando...
  Abro os olhos assustada pelo pesadelo que acabo de ter e que não consigo lembrar qual é. Minha tia olhou para mim, levanta as sobrancelhas e faz uma cara que diz: Finalmente acordou! Abre um sorriso tão lindo que eu abro um pequeno sorriso também.
  – Como você está meu bem? – Ela pergunta, sua voz fina não lhe faz juiz a sua beleza jovial.
  – Me sinto melhor, agradecida. Acho que minha chegada aqui não vai passar despercebida depois disso. – desfaço meu sorriso e titia abre mais o dela.
  – Não iria passar despercebida de qualquer forma. Querida, é uma cidade pequena, se o vento mudar de direção é motivo para o povo falar, imagine uma menina linda como você se mudar para cá, para morar com a louca solteirona da cidade. – Minha tia começou a rir como se tivessem contado uma piada engraçadíssima.
  Ela ficava mais linda assim, já era linda de qualquer forma. Deve estar na casa dos seus 30 anos, é ruiva- marca registrada da família de minha mãe- e tem os cabelos desfiados na altura dos ombros, tem os olhos de um castanho muito escuro, é alva, magra e alta com um corpo muito bonito, mas o que a deixa mais linda é a alegria dela, ela vive como se cada dia fosse o último, faz coisas que o povo dessa cidade considera loucura e não se importa nem um pouco com o que falam dela. Já cansaram de falar dela há muito tempo, quando notaram que não fazia diferença nenhuma para ela. Os homens babavam nela e as mulheres sentiam inveja/ciúmes, é claro que sentiam.
  – Claro. Eu sou a sobrinha da louca de Desdém... – comentei com ironia, o que a levou a rir mais ainda. Depois perguntei: – Quanto tempo fiquei aqui?
  – Hoje é o terceiro dia. Só pelo que aconteceu vou lhe dar um tempo para se recuperar mais, o que significa você tem uma semana para se preparar para a escola. – Ela abre seu sorriso para mim novamente. Argh.
  Vir para esse cidade tosca tinha sido ideia dela.
  “Vai ser melhor ela se recuperar em um lugar pacato, sem distrações. E lugar mais calmo que minha casa não há, posso garantir”, ainda consigo me lembrar dela falando isso para minha mãe na sala de estar da minha casa, o pior de tudo, minha mãe acatou a ideia.
  – Detestável! Entretanto não posso fazer nada, posso? – ela começa a balançar a cabeça negativamente. – Quando poderei sair daqui? Já me sinto ótima, como se nada tivesse acontecido. Ah, quem me salvou?
  - Um garoto que estava por perto da clareira – ela sorriu um pouco, não entendo o porquê desse sorriso - Acho que ainda hoje vai poder sair. Vitória, você precisa passear um pouco pela cidade, sentir os aromas. Você mal chegou e já saímos correndo pela floresta. Tem que sair e conhecer sua nova casa – ela falou isso tudo com um enorme sorriso nos lábios, e eu reviro os olhos e jogo um travesseiro na cara.
  - Sei, eu sei sim. Você tem certeza que eu tenho muito a conhecer aqui?
  - Essa cidadezinha tem muito mais a te oferecer do que você acha minha querida.
  Acordo às 04h00min da manhã e já vou tomando um banho para meditarmos e depois treinamos tai chi. Numa coisa minha tia tem razão, a cidade realmente é ótima para treinar e meditar, o fato de a casa ser bem afastada daquilo que chamam de centro da cidade, ajuda um pouco, e o fato de que quase ninguém vem procura-la ajuda ainda mais, já que os fofoqueiros se mantinham longe.
  Treinamos a manhã inteira e pausamos para comer, à tarde toco um pouco de piano e depois vou ler um livro. Sinto-me triste pelo fato da escola me tirar meu tempo para treinar, meditar, ler e tocar.
  Escola. O início das aulas continua se aproximando. Argh.
  O passeio pela cidade não fez muita diferença no final, não conheci ninguém e o clima da cidade já era levemente previsível para mim. Cidades pequenas são, basicamente, sempre a mesma coisa. Árvores, casas, praças pequenas, centros comerciais pequenos e pessoas simplórias. As pessoas daqui são tediosas, não conheci ninguém interessante, se bem que mal saí de casa, e quando saí foi para ir ao centro com minha tia comprar algumas coisas novas. As únicas coisas realmente interessantes que encontrei por aqui foi uma loja de antiguidades e uma biblioteca muito aconchegante, na qual pretendo passar meu tempo livre, ainda acho incrível o fato de não ter NENHUMA livraria nessa cidade.
  O dia mal começa e minha tia já me enche de exercícios, mas pelo menos me sinto mais útil aqui do que em casa. Um dia cheio hoje, outro dia tedioso amanhã, dia corrido no meu primeiro dia de aula, e vai ser pior do que deveria ser, já que eu faltei uma semana de aula. É esperar para ver o que vai acontecer (se é que vai acontecer algo).

Por: Letícia Cavalcante

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