Abro os olhos. Demora um pouco para minha vista
desembaçar. Olho paro o lado, me foco no relógio digital em cima da cômoda. Marca
10:37. Só percebo que é de manhã por conta de alguns finos raios de luz que
escapam por entre os vãos da janela.
Eu não tinha por quê me preocupar com a hora, naquele
ano eu não iria à escola. Abandonei os estudos porque não podia suportar
aqueles olhares de pena que todos me lançavam todos os dias. Aquilo me irritava.
Eu não precisava de pena.
O pequeno tamanho da cidade colaborava para que todos
soubessem da vida de todos. A morte dos meus pais se espalhou rápido, e com
esperança de que pudessem descobrir algo mais para falarem, todos vinham me cumprimentar.
Eu me sentei, pude ouvir alguns pássaros cantando e
um carro ou outro passando na rua. Dentro de casa não havia barulho algum. Eu
estava sozinho, Jorge saia cedo para trabalhar. Desde que nossos pais morreram
ele também deixou de estudar, tinha que sustentar a casa agora.
Levantei e fui andando meio arrastando para o
banheiro. Quando olhei no espelho quase não me reconheci. Estava muito mais
magro do que de costume, o que evidenciava minhas mandíbulas quadradas. Eu tinha olheiras fundas, desde o
acidente nunca mais consegui dormir com antes, não me lembro de uma noite
sequer que eu não tinha tido pesadelos. Meus cabelos, que eu sempre deixei bem
cuidado com um corte desfiado, bem aparado com a frente um pouco maior,
agora estava com um aspecto horrível. Sem brilho e pesado, já havia crescido
bastante e a franja cobria meus olhos, o que me irritava muito.
Abri a gaveta e
peguei uma tesoura, cortei meu cabelo de forma toda irregular, até que parasse
de atrapalhar minha visão. Ficou bem melhor do que antes, mas torto. Era só
mais um motivo para eu não sair de casa, e eu não me importava com isso.
Fiquei olhando meus olhos fixamente por um bom tempo.
Eles eram escuros, e relativamente pequenos em relação ao restante do meu rosto,
e me lembram dos olhos da minha mãe. Todos diziam que eram muito parecidos.
Exceto, é claro, que os dela eram cheios de ternura e bondade, o meu olhar era
duro, frio e metralhador.
Senti meu rosto esquentar, minha vista ficou borrada,
senti uma lágrima descer. Sequei rapidamente. Não me permito chorar, minha mãe
dizia que não devíamos chorar pelos que partiram porque provavelmente eles
estavam melhor que antes. Disso eu tenho certeza, onde quer que meus pais
estejam, era melhor que a cidade de Desdém.
...
O restante do dia foi como todos os outros
anteriores. Eu comi qualquer coisa, fiquei um bom tempo deitado vegetando,
perdido em pensamentos.
Não tenho ideia de que horas eram, mas penso ter
ouvido gritos um pouco longe. Por um segundo pensei em ver o que tinha acontecido,
mas a ideia de encontrar outras pessoas me fez desistir.
Poucos minutos depois Jorge chegou e foi direto para
o banheiro. Nem me cumprimentou, mas eu já estava acostumado com isso. Jorge
não era do tipo mais carinhoso, mas depois que nossos pais morreram, ele me
ignora completamente.
Fui atrás dele.
– Jorge?, eu disse através da porta.
– O que você quer? – ele respondeu com um tom áspero
– Eu ouvi gritos há uns minutos atrás, você sabe o que
aconteceu? – esperei e ele não respondeu. – Jorge? Você sabe, essa cidade é muito parada, pode
ter acontecido algo.
Ouvi o barulho do chuveiro ligando, a pressão da água
estava bem forte, ele deve ter feito isso para não me ouvir mais.
...
Também, porque eu deveria me preocupar, o que tivesse
acontecido não faria diferença. Jorge era a minha única família, e ele estava
em casa agora.
Fui para o quarto, não tinha mais nada para fazer.
Fiquei um bom tempo deitado na minha cama e olhando para o teto. Ouvi o barulho
de Jorge saindo do banheiro, pensei em ir falar com ele, mas achei melhor não.
Jorge passou em frente a porta do meu quarto, parou e
disse:
– Deixei um dinheiro para você comer amanhã, está
dentro do armário.
– Jorge, espera! – foi inútil, ele me ignorou
novamente.
Logo depois ouvi Jorge saindo. Que estranho, ele não
costumava sair tarde. Olhei para o relógio do lado da minha cama, faltavam
poucos minutos para as 22 horas.
Por: Luna Gabriella
Eu serei o primeiro a Comentar, Talvez o primeiro de muitos mas uma coisa e certa a se dizer seu talento para escrever e descrever situações e e emoções dos personagens realmente e incrível,mas algo que você deve Saber ...Virei Fã^^
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