segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

6 - Dante



Abro os olhos. Demora um pouco para minha vista desembaçar. Olho paro o lado, me foco no relógio digital em cima da cômoda. Marca 10:37. Só percebo que é de manhã por conta de alguns finos raios de luz que escapam por entre os vãos da janela.
Eu não tinha por quê me preocupar com a hora, naquele ano eu não iria à escola. Abandonei os estudos porque não podia suportar aqueles olhares de pena que todos me lançavam todos os dias. Aquilo me irritava. Eu não precisava de pena.
O pequeno tamanho da cidade colaborava para que todos soubessem da vida de todos. A morte dos meus pais se espalhou rápido, e com esperança de que pudessem descobrir algo mais para falarem, todos vinham me cumprimentar.
Eu me sentei, pude ouvir alguns pássaros cantando e um carro ou outro passando na rua. Dentro de casa não havia barulho algum. Eu estava sozinho, Jorge saia cedo para trabalhar. Desde que nossos pais morreram ele também deixou de estudar, tinha que sustentar a casa agora.
Levantei e fui andando meio arrastando para o banheiro. Quando olhei no espelho quase não me reconheci. Estava muito mais magro do que de costume, o que evidenciava minhas mandíbulas  quadradas. Eu tinha olheiras fundas, desde o acidente nunca mais consegui dormir com antes, não me lembro de uma noite sequer que eu não tinha tido pesadelos. Meus cabelos, que eu sempre deixei bem cuidado com um corte desfiado, bem aparado com a frente um pouco maior, agora estava com um aspecto horrível. Sem brilho e pesado, já havia crescido bastante e a franja cobria meus olhos, o que me irritava muito. 
Abri a gaveta e peguei uma tesoura, cortei meu cabelo de forma toda irregular, até que parasse de atrapalhar minha visão. Ficou bem melhor do que antes, mas torto. Era só mais um motivo para eu não sair de casa, e eu não me importava com isso.
Fiquei olhando meus olhos fixamente por um bom tempo. Eles eram escuros, e relativamente pequenos em relação ao restante do meu rosto, e me lembram dos olhos da minha mãe. Todos diziam que eram muito parecidos. Exceto, é claro, que os dela eram cheios de ternura e bondade, o meu olhar era duro, frio e metralhador.
Senti meu rosto esquentar, minha vista ficou borrada, senti uma lágrima descer. Sequei rapidamente. Não me permito chorar, minha mãe dizia que não devíamos chorar pelos que partiram porque provavelmente eles estavam melhor que antes. Disso eu tenho certeza, onde quer que meus pais estejam, era melhor que a cidade de Desdém. 
 ...
O restante do dia foi como todos os outros anteriores. Eu comi qualquer coisa, fiquei um bom tempo deitado vegetando, perdido em pensamentos.
Não tenho ideia de que horas eram, mas penso ter ouvido gritos um pouco longe. Por um segundo pensei em ver o que tinha acontecido, mas a ideia de encontrar outras pessoas me fez desistir.
Poucos minutos depois Jorge chegou e foi direto para o banheiro. Nem me cumprimentou, mas eu já estava acostumado com isso. Jorge não era do tipo mais carinhoso, mas depois que nossos pais morreram, ele me ignora completamente.
Fui atrás dele.
– Jorge?, eu disse através da porta.
– O que você quer? – ele respondeu com um tom áspero
– Eu ouvi gritos há uns minutos atrás, você sabe o que aconteceu? – esperei e ele não respondeu. – Jorge? Você sabe, essa cidade é muito parada, pode ter acontecido algo.
Ouvi o barulho do chuveiro ligando, a pressão da água estava bem forte, ele deve ter feito isso para não me ouvir mais.
 ...
Também, porque eu deveria me preocupar, o que tivesse acontecido não faria diferença. Jorge era a minha única família, e ele estava em casa agora.
Fui para o quarto, não tinha mais nada para fazer. Fiquei um bom tempo deitado na minha cama e olhando para o teto. Ouvi o barulho de Jorge saindo do banheiro, pensei em ir falar com ele, mas achei melhor não.
Jorge passou em frente a porta do meu quarto, parou e disse:
– Deixei um dinheiro para você comer amanhã, está dentro do armário.
– Jorge, espera! – foi inútil, ele me ignorou novamente.
Logo depois ouvi Jorge saindo. Que estranho, ele não costumava sair tarde. Olhei para o relógio do lado da minha cama, faltavam poucos minutos para as 22 horas.


Um comentário:

  1. Eu serei o primeiro a Comentar, Talvez o primeiro de muitos mas uma coisa e certa a se dizer seu talento para escrever e descrever situações e e emoções dos personagens realmente e incrível,mas algo que você deve Saber ...Virei Fã^^

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